Tiago Horta Barbosa da Sportradar conversou com o Joga Brasil sobre fraudes esportivas. O crescente número de casos envolvendo atletas e árbitros com apostas ilegais ou nos quais eles colaboraram com máfias organizadas para a manipulação de resultados no futebol com o objetivo de obter ganhos indevidos nos mercados de apostas é mais uma prática criminosa que merece grande preocupação. Tiago é Consultor em Integridade Desportiva e Diretor de Integridade da Sportradar para a América Latina. É graduado em Direito e Relações Internacionais, Mestre em Direito Desportivo e Especialista em Gestão Desportiva. Anteriormente, atuou como Procurador do STJD do Futebol (2015-2016) e foi Oficial da INTERPOL (2012 e 2014).
1- Se profissionais do esporte, atletas, treinadores, dirigentes, se envolvem com as apostas esportivas, aumenta a possibilidade de manipulação de resultados. O que fazer para prevenir que isso aconteça?
Não é recomendável que atletas, treinadores e dirigentes se envolvam com apostas esportivas, principalmente se forem apostas na modalidade em que eles mesmos atuam. Essas pessoas são parte dos eventos e por isso deveriam manter distância. Essa recomendação também é estendida a familiares e outras pessoas próximas do convívio dos atletas e treinadores já que elas eventualmente poderiam realizar apostas em nome deles ou obter informações privilegiadas que lhes facilitassem a obtenção de lucros.
Existem casos de atletas com vício em apostas e que para compensarem perdas passaram a manipular resultados. Esse é um risco existente e que merece cuidado dos clubes e das federações esportivas. A melhor forma de prevenir o problema é com educação. Grandes ligas de futebol da Europa, como por exemplo a italiana e a alemã, costumam oferecer workshops para os clubes participantes e neles os atletas são instruídos sobre como lidar com a questão das apostas, como se esquivar de aliciadores e como agir e a quem reportar caso abordados com ofertas para que manipulem resultados.
2- Apostas esportivas ainda são vistas de forma negativa por uma boa parte da população brasileira. E isto está relacionado, em parte, a casos de manipulação que já ocorreram no esporte do país, como a “Máfia do Apito”, em 2005. É possível mudar essa imagem?
Isso é uma verdade. No Brasil, as apostas e os apostadores são olhados de forma enviesada pela maior parte das pessoas. Acredito que isso ocorra por uma questão cultural já que não existe uma tradição de se apostar no Brasil. A proibição das apostas no Brasil data de 1946 e diante disso são várias as gerações privadas de apostar e para quem sempre se ofereceu uma propaganda negativa acerca do assunto. Para mudar isso é preciso muito esforço e resiliência. Precisamos fazer a sociedade enxergar que as apostas são somente mais uma atividade econômica. Claro que é uma atividade que irá merecer ser fiscalizada e tratada com certos cuidados, mas que muito além disso poderá gerar boas receitas a serem destinadas à educação, saúde e segurança pública. E isso é algo que o Brasil precisa muito.
De outro lado, precisamos mostrar também para as pessoas que a manipulação de resultados não deve ser confundida com as apostas esportivas. Manipuladores de resultados se utilizam dos mercados de apostas para praticar crimes e isso deve ser combatido. Além disso, jogos manipulados geram imensos prejuízos aos operadores de apostas, ou seja, aos empresários que investem de forma limpa no negócio das apostas. Saber fazer as pessoas diferenciarem, portanto, quem são os apostadores honestos, que jogam por divertimento, dos manipuladores de resultados, criminosos que buscam obter lucros de forma ilícita, é algo que certamente ajudará a mudar a imagem ruim das apostas. Mas, como eu disse anteriormente, isso é algo que irá demandar esforço e paciência.
3- Como os investidores da área de apostas esportivas estão olhando para o Brasil de uma forma geral?
Minha impressão é a de que os investidores estão bastante atentos e esperançosos em decorrência da recente legalização das apostas no Brasil, mas ao mesmo tempo ainda estão aguardando de forma bastante precavida entender de que modo o tema será regulamentado. Grandes investimentos, especialmente de bookmakers internacionais, somente deverão ocorrer após a definição das regras pelo Ministério da Fazenda e, obviamente, caso as regras sejam favoráveis, tal como se espera.
4- Como você está vendo a abertura de clubes brasileiros a patrocínios de marcas de apostas esportivas, como Fortaleza e Vasco, que fecharam com a NetBet?
Vejo como algo bastante positivo. O dinheiro dos mercados de apostas é investido no futebol dos melhores campeonatos do mundo. Na Premier League, por exemplo, 9 dos 20 clubes possuem alguma casa de apostas como patrocinador máster em suas camisas. Além disso, todos os demais clubes também possuem algum tipo de parceria com sites de apostas. E o mesmo se estende também para a Championship, segunda divisão da Inglaterra. Eu enxergo que um movimento semelhante poderá acontecer no Brasil a partir da regulamentação e, prova disso, é que mesmo antes da regulamentação sair já existe um movimento de algumas marcas de apostas buscando parcerias no futebol, tais como a que você citou.
O esporte brasileiro está necessitando de novos patrocinadores e, de outro lado, as casas de apostas novas no Brasil, como a NetBet, necessitam exposição de suas marcas. Essas parcerias, portanto, são naturais e, acredito, farão bem para todos os atores envolvidos nos negócios.