Em uma coluna entitulada “Como os jogos vão mudar a humanidade como a conhecemos”, o economista americano Tyler Cowen traz dois pontos interessantíssimos para refletir sobre o universo dos games, sobretudo neste momento em que está todo mundo avaliando o consumo de jogos e a relação com as telas.
Ele diz que os jogos estão mudando dois aspectos decisivos do mundo contemporâneo: a cultura e a regulamentação. Para ele, este é um caminho sem volta.
A cultura, segundo ele argumenta, “nunca foi sobre mundos autocontidos”. Para manusear e produzir produtos culturais, ao menos os bons, é preciso ter acesso e capacidade de articular referências. Os jogos rompem com esse padrão porque são um “sistema fechado”, voltado para si. É comum encontrar um grande artista que manipula a linguagem de jogos com excelência, sem saber muito sobre a cultura mais ampla.
O contrário também acontece. Especialistas em outros produtos culturais (música, literatura, artes plásticas, audiovisual, etc.) sabem pouco ou nada sobre jogos e ganham a vida sem problemas. Ou seja, são universos culturais que funcionam separados.
Se colocar esses mundos em termos de competição, os jogos estão ganhando. Grandes companhias de outros setores estão percebendo o impacto e a presença dos jogos e tentando absorvê-los em sua cartela de produtos. Já falamos aqui sobre a aposta da Netflix nesse mercado.
Cowen traz esse protagonismo em números: “o setor de jogos produz cerca de US$ 179 bilhões em receita mundial, maior do que a dos filmes globais e dos esportes norte-americanos combinados.”
Ele ainda faz uma provocação sobre a crise de outros produtos culturais, que acredita estarem em declínio. “Existem muitos livros hoje que chamam a atenção e promovem a discussão que, digamos, a série Harry Potter conseguiu na virada do século? Mesmo quando a pandemia passar, as exposições de arte terão a mesma influência de antes?”
O segundo ponto de ruptura dos jogos que ele destaca é a regulamentação. Os jogos hoje já viabilizam negociações que envolvem moedas, mercado e valores. Quem define e aplica as regras são os próprios criadores de jogos e jogadores. O governo não chega nessas regras. Isso num momento em que a gameficação das coisas se multiplica e se espalha em diferentes áreas.
De acordo com Cowen, nessa brincadeira os reguladores estão ficando para trás. Ao avaliar o mercado americano ele dá o tom da profundidade da ruptura: “Assim como os jogos ultrapassaram o mundo da cultura, também ultrapassarão os recursos regulatórios dos Estados Unidos, por uma variedade de razões: criptografia, uso de criptomoeda, dificuldades de policiamento de realidades virtuais, regras variáveis em jurisdições estrangeiras e, não por acaso, falta de especialização entre os reguladores dos EUA.”
A resposta para os jogos atropelarem os outros produtos culturais e a regulamentação é que são “mundos autocontidos”. “Até agora, as instituições e estruturas humanas dependiam de redes de idéias relativamente abertas e sobrepostas. O jogo está dividindo e privatizando esses espaços. Essa mudança é a grande tendência que quase ninguém – exceto jogos e criptografia – está percebendo.”
Fonte: Bloomberg