Francesco Rodano, Chief Policy Officer da Playtech, conversou com a equipe Joga Brasil sobre os jogos de azar na América Latina. Leia a entrevista na íntegra a seguir.
1 – Quais são os principais desafios enfrentados pela indústria de jogos de azar na América Latina?
No que diz respeito ao jogo, a LATAM parece estar em fase de transição, à semelhança do que aconteceu com a Europa há cerca de dez anos. O jogo de varejo, especialmente cassinos e loterias, tem sido há muito tempo, e ainda é, a atividade de jogo mais popular em toda a região. Mas, recentemente, alguns governos nacionais perceberam que o jogo online, mesmo que não regulamentado, é acessado e apreciado por uma grande parte da população. Em setembro de 2016, a Colômbia se tornou de fato o primeiro país da América Latina a estabelecer um regime local de licenciamento para jogos online. A autoridade colombiana de jogos, Coljuegos, concedeu 18 contratos de concessão até agora e autorizou todas as formas populares de jogo. Na Europa, foi a Itália o primeiro país a legalizar o jogo online em 2007, dando um exemplo que levou quase todos os outros países do continente a fazer o mesmo nos anos seguintes. Na América Latina, como mencionado, a Colômbia parece ter desencadeado um processo semelhante, com estruturas de licenciamento de jogos online agora sendo introduzidas no México e em algumas províncias argentinas, e novas leis já aprovadas, ou em discussão, em vários outros países, como Brasil, Peru, Chile, só para citar alguns. A regulação, que permite que a indústria opere legalmente e contribua para a economia local, pode ser um processo longo e complexo. Primeiro, é preciso haver um consenso político, o que, sendo o jogo um assunto polêmico, nem sempre é fácil de alcançar. Graças aos exemplos bem-sucedidos da Colômbia, México e Argentina, os formuladores de políticas de outros países da América Latina estão agora mais inclinados a avaliar a legalização do setor em seus respectivos territórios. Então, alguma legislação é necessária, o que, por sua vez, geralmente requer aprovação parlamentar.
2 – Ter uma lei aprovada é necessário para que todos os países operem no mercado de jogos de azar?
Uma lei de jogos de azar é uma condição necessária, mas não suficiente para a abertura do mercado legal de jogos de azar, pois deve ser executada e implementada por meio de regulamentos administrativos detalhados, o que também é uma etapa complexa. Um exemplo dessa complexidade é o Brasil, onde a lei que regulamenta as apostas esportivas no país foi aprovada pelo congresso em 2018, mas ainda não entrou em vigor até hoje, pois está aguardando os regulamentos administrativos que deverão ser editados pelo ministério da Fazenda. Além disso, deve ser criada uma autoridade reguladora, dotada dos recursos e das competências necessárias para supervisionar e gerir uma atividade econômica multifacetada. Finalmente, as licenças devem ser concedidas aos operadores que podem atender aos requisitos de confiabilidade e elegibilidade determinados pelo regulador. Uma vez lançado o mercado, o regulador precisa também proteger os investimentos dos operadores recém-licenciados, combatendo os ilegais que visam o país a partir do off-shore, outra tarefa bastante desafiadora. A duração de todo o processo, que pode levar muitos anos, é de fato o principal desafio que a indústria de jogos de azar enfrenta na América Latina. Na maior parte da região, ainda não existem regras que permitam às conceituadas empresas de jogos de azar oferecer seus serviços legalmente, enquanto dezenas de operadores desonestos, que nunca solicitarão licença, prosperam, sem pagar impostos e sem controle sobre sua integridade. Para a indústria, é uma questão de paciência e tentar ajudar no processo de legalização estabelecendo um relacionamento construtivo com os formuladores de políticas, por exemplo, compartilhando as melhores práticas regulatórias de outros mercados maduros.
3 – Na sua opinião, qual é a regulamentação adequada para as casas de apostas online na América Latina?
Acho que todos os interesses e objetivos legítimos, não apenas os das casas de apostas, devem ser considerados. Esses últimos 15 anos de experiências regulatórias mostraram que uma estrutura só funciona quando todas as três partes – o estado, o jogador e, de fato, a indústria do jogo – atingem seus respectivos objetivos. Por exemplo, ao controlar o setor, o Estado deve gerar receitas fiscais enquanto protege seus cidadãos e mantém o jogo livre do crime. Da mesma forma, esses cidadãos devem ter acesso aos produtos de entretenimento que desejam, ao mesmo tempo em que se sentem seguros e protegidos contra fraudes, crimes e práticas desleais. Finalmente, a indústria – e com isso estamos falando de toda a cadeia de suprimentos, incluindo, por exemplo, empresas de mídia – deve ter um lucro justo operando sob regras claras e razoáveis. Hoje existem muitos exemplos de regulamentações eficazes em todo o mundo, na Europa, América do Norte e América Latina. Curiosamente, todos eles têm algumas diferenças entre si – não há nada de “padrão” quando se trata de regulamentação do jogo –, por motivos históricos, políticos e culturais compreensíveis, mas ao mesmo tempo todos servem ao propósito de ajudar os três atores mencionados acima atingem seus objetivos. Sem ir muito longe, os regulamentos da Colômbia são um excelente exemplo de regulamentos apropriados para as casas de apostas. A estrutura foi continuamente aprimorada pelo regulador, Coljuegos, nos últimos 6 anos, graças a um diálogo construtivo com todas as partes interessadas, e agora representa uma boa prática reconhecida internacionalmente.
4 – Como a Playtech trabalhará em conjunto com operadores de sites de jogos de azar, autoridades governamentais e outras entidades a favor do jogo responsável no Brasil?
Nós, como fornecedores, temos um papel meio neutro. Trabalhamos com centenas de operadores B2C, que muitas vezes competem ferozmente uns contra os outros, mas essa competição não afeta nossa capacidade de investir tempo e energia em pesquisa e desenvolvimento de jogos de azar mais seguros. Beneficiamos também de um ponto de observação privilegiado.
Nossa responsabilidade é essencialmente dupla. Por um lado, queremos desenvolver soluções de jogo mais seguras que realmente funcionem, apoiadas por evidências e amplamente testadas, focadas no bem-estar do jogador individual e não genericamente em toda a base de jogadores, pois todos somos diferentes. Por outro lado, precisamos educar tanto os formuladores de políticas quanto os colegas do setor sobre o potencial dessa abordagem.
Nos últimos anos, temos conversado com muitos reguladores em todo o mundo e, como resultado, estamos introduzindo requisitos regulatórios sobre análise comportamental e intervenção personalizada. Existem agora exemplos na Holanda, França, Espanha, Alemanha, Suécia, por exemplo
É claro que estamos dispostos a fazer o mesmo com os formuladores de políticas brasileiras, de modo a promover um crescimento seguro, sustentável e de longo prazo da indústria brasileira de jogos legais.
5 – Que atitudes do usuário mudaram com o impacto de tecnologias como a IA? Eles são importantes para um ambiente de jogo mais seguro?
O jogo, principalmente online, depende de um uso muito intenso da tecnologia, necessária para operar os próprios jogos, para melhorar a experiência de entretenimento e também para entender melhor as necessidades dos jogadores. Recentemente, a tecnologia tem sido cada vez mais usada também para ajudar a proteger os jogadores mais vulneráveis. Os operadores têm acesso a dados comportamentais granulares muito detalhados para cada jogador individual, que podem ser usados para entender, em um estágio muito inicial, se algum deles está começando a mostrar sinais de jogo problemático. A inteligência artificial pode desempenhar um papel fundamental neste campo. A Playtech vem investindo e pesquisando nos últimos 10 anos em uma ferramenta – chamada BetBuddy – que usa inteligência artificial para analisar o comportamento dos jogadores e prever seu risco, e os resultados são bastante promissores, com um nível de precisão impressionante. A IA também pode ajudar no próximo passo no ciclo de proteção do jogador: usar o perfil comportamental individual de cada jogador de risco para se envolver com eles e intervir de forma personalizada, por meio de ferramentas automatizadas e mensagens personalizadas que têm grande potencial para ajudar os jogadores a não perder o controle. Para avaliar a atitude dos usuários em relação ao uso da tecnologia no jogo e, em geral, em relação à regulamentação do jogo, solicitamos à Toluna que realizasse uma pesquisa de consumo em quatro países da América Latina: Argentina, Brasil, Chile e Colômbia. Geralmente é muito difícil entender o que os cidadãos pensam sobre um setor muitas vezes controverso, e os resultados da pesquisa foram muito encorajadores. Ficamos positivamente surpresos ao ver como as pessoas dos quatro países são conscientes e sensatas em relação ao jogo e a importância da regulamentação na promoção de uma maneira mais segura e responsável de acessar essa forma de entretenimento. Quando perguntados especificamente sobre tecnologia e IA, 74% das pessoas que fizeram parte deste estudo na América Latina disseram ser a favor do uso de IA para detectar jogadores que possam ter problemas com jogos de azar. Apenas 8% disseram que estariam preocupados com o potencial das informações coletadas por meio da IA serem usadas por outras pessoas, como o governo ou a família, enquanto outros 8% disseram que as pessoas deveriam poder fazer o que querem sem que lhes digam o que fazer por empresas de jogos de azar. Esses resultados demonstram como mesmo a tecnologia aparentemente invasiva é aceita e bem-vinda pelo público se for para protegê-los de forma eficaz.