A relação entre Leonardo Vieira e o pôquer se iniciou há mais de uma década. Foi lá pelos idos de 2007, quando a modalidade começava a chegar no Brasil. Ser praticante de pôquer naquela época não era algo, digamos, virtuoso. O preconceito era grande e o jogo estava associado ao vício, à ilegalidade.
Com o passar do tempo, o panorama foi se modificando. Léo descobriu os encantos do pôquer e ficou fascinado pelo jogo. Buscou o conhecimento, se dedicou, estudou e evoluiu. E foi por meio do pôquer que o niteroiense, hoje com 34 anos, ganhou o mundo. Conheceu até Las Vegas e dividiu mesa com Neymar. Não há mais nenhum motivo para se envergonhar. Pelo contrário.
Léo só não transformou o pôquer em seu ganha-pão por um motivo singelo: adora a sua profissão. Mas o empresário não vive sem a modalidade. Seja de forma presencial, ou on-line.
Joga Brasil: Como começou a sua relação com o pôquer?
Léo Vieira: Em 2007, quando o pôquer começou a ganhar espaço aqui no Brasil e no Rio de Janeiro. Você não ouvia muito falar até essa época aqui, até porque tinha uma mística de jogo de azar, de algo proibido. O Christian Kruel (jogador), como é do Rio de Janeiro, ele começou a trazer isso para alguns lugares na cidade. Começou a rolar uns “home games”, que a gente chama quando o jogo é na casa de alguma pessoa. Isso foi se espalhando pelo Rio e pelo Brasil. Começou uma febre de a galera jogar em casa. Neste momento, surgiram também alguns clubes de pôquer. Foi a partir daí que começou uma luta de identidade do pôquer. Havia muita gente com desconfiança, tratando o jogo como algo ruim. Havia muito preconceito nessa época. E o nível do pôquer aqui no Brasil era bem baixo também.
Hoje, 11 anos depois, os jogadores daqui não ficam atrás de jogadores estrangeiros. Os brasileiros estão no topo. Os jogadores daqui estão dispostos a encarar qualquer desafio para melhorar o nível de busca pelo conhecimento, de estratégia, melhorar o jogo de uma forma geral. Talvez os americanos ainda sejam um pouquinho melhores porque eles têm muita vivência, mas os brasileiros estão chegando a esse nível.
Acervo pessoal
JB: Mudou muita coisa no jogo da época que você começou para agora?
LV: O pôquer que eu pratico hoje é um jogo completamente diferente do que era quando eu iniciei. Até eu entender que é um jogo de pessoas, que as cartas fazem parte, talvez, de 10% de uma mão de jogo, até eu chegar a um nível um pouco mais avançado, demorou muitos anos. Na verdade, você aprende a jogar pôquer muito rápido, mas a cada ano que passa, a cada mão, você vai entendendo aos poucos a infinidade de conhecimento que existe dentro do jogo. No pôquer, você aprende a lidar com a derrota como se fosse algo normal. Você precisa tomar sempre a melhor decisão. Se tomar a melhor decisão e perder, não tem problema, parte para outra. Eu diria para você que eu comecei a entender o jogo em 2014. Até aquele momento, eu não sabia nada. Eu gostava muito do jogo e eventualmente tomava uma decisão correta na intuição. Mas quando você passa a entender os motivos pelos quais você faz cada jogada, você passa a realmente jogar o pôquer.
JB: Você não vive de pôquer, não é? Já pensou em viver exclusivamente disso? Conta como é a sua rotina de conciliar a profissão com o jogo.
LV: Eu sou apaixonado pela minha profissão. Sou empresário. Eu participo, hoje, de quatro empresas diferentes. Eu já pensei, algumas vezes, em tentar viver de pôquer. Mas, ao mesmo tempo, é tão prazeroso ter isso como hobby e eu gosto tanto da minha profissão. Então, por que eu vou transformar o meu hobby em uma profissão? Eu estou muito bem vivendo dessa forma. Eu fico extasiado, com frio na barriga, cada vez que eu vou jogar. E isso só acontece, na minha cabeça, porque eu levo como um hobby. Se eu levasse como uma profissão, talvez eu perdesse esse frio na barriga, que é o que me dá tesão de jogar.
Acervo pessoal
JB: Há muitas diferenças entre o pôquer on-line e o presencial?
LV: Tem várias diferenças. No pôquer presencial, por exemplo, você se concentra totalmente em um único jogo. Você fica mais exposto no pôquer presencial ao que a gente chama de “bad beat” (quando o jogador está em situação favorável, mas acaba levando a pior por uma série de eventos improváveis). Quando você está jogando no on-line, você consegue abrir oito mesas ao mesmo tempo, principalmente se tiver uma técnica mais apurada. É um jogo de volume. Se em oito, você chega em duas tomando as melhores decisões, você vai conseguir chegar em uma mesa final de dois torneios, de repente vai ganhar um, o que compensa todos os outros. Você tem mais chances no on-line. Quando você joga um torneio presencialmente, só tem aquela chance.
Uma outra diferença. No pôquer presencial, você consegue traçar melhor o perfil dos seus oponentes. Às vezes é por algo que eles podem falar, aí você percebe que o jogador não tem tanta experiência. Você consegue explorar melhor essas situações. No on-line não fica tão evidente isso. Há mais dificuldade para mapear os seus adversários.
JB: Qual foi o momento mais legal que você viveu no pôquer?
LV: Acho que o momento mais fantástico foi quando eu estive em Las Vegas. Depois de ter ficado em terceiro lugar em um Campeonato Brasileiro on-line, eu fui para Las Vegas pela primeira vez. Patrocinado, com tudo pago. Isso gera uma satisfação muito grande. Foi um momento muito marcante quando entrei pela primeira vez em um daqueles cassinos de Las Vegas. Tudo enorme, o salão lotado, um monte de gente jogando, artista passando. O pôquer traz algo que é muito legal. Tem algum artista que você só vê pela televisão e de repente você está jogando na mesma mesa que ele.
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Um outro momento marcante também foi ter jogado um Brasileiro na mesma mesa do Neymar. Estávamos ali na mesma situação, disputando a semifinal, e conversei com ele. Mudei até a imagem que eu tinha dele. Sempre achei o Neymar mimado, mas ele atendeu bem todo mundo, conversou de boa com todo mundo, foi respeitoso com todos. Isso é muito legal. Coisas que o pôquer proporciona.
Sempre que pode, Neymar participa de torneios de pôquer (Getty Images)
JB: Léo, o pôquer é mal visto ainda. Muito associado aos jogos de azar. Você sofreu preconceito quando começou a praticar?
LV: Sim. Em 2007, as pessoas mais próximas da minha família não entendiam mesmo. Achavam que eu estava me tornando um viciado. Que ia perder o dinheiro todo. As pessoas têm medo do desconhecido. É normal. Há uma ignorância natural. Porque você não conhece, você fica com medo, quer tirar a pessoa daquilo ali. Mas a partir do momento em que você vai mostrando como o jogo funciona, explicando para as pessoas como vocês toma as decisões, as pessoas começam a te respeitar, a perceber que você não está maluco. No início, minha família ficou desesperada. Mas depois eles viram que eu sabia jogar, sabia me controlar.
Eu penso que a pessoa que é viciada em refrigerante, vai se dar mal tomando refrigerante. Quem é viciado em álcool, vai se dar mal bebendo. Tudo que é em excesso vai fazer mal. Assim como o pôquer. Tem um pessoal que faz um trabalho muito maneiro, dando aulas de como jogar pôquer de forma consciente.
Por exemplo: para você jogar um torneio de dez dólares, a recomendação é que você tenha duzentas vezes o valor de dez dólares. A mentalidade das pessoas já está mudando. Em 2009, 2010, 2011, quando eu ia jogar pôquer, eu não falava que estava indo jogar.
Chegava no lugar, subia escondido, como se estivesse fazendo alguma coisa errada. Hoje em dia, não. Hoje em dia, as pessoas têm orgulho em falar que jogam pôquer.
Arte: Elisa Xavier